Panorâmica do Largo da Ordem mostrando a esquina inicial da Rua Mateus Leme, com a Igreja da Ordem,
Restaurante Saccy e Casa Romário Martins, 2012.
A igreja data de 1737, quando ainda se chamava Capela Nossa Senhora do Terço. Em
1746, quando a Ordem de São Francisco chegou a Curitiba, o nome da igreja foi alterado para o
atual: Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Chagas. Chegou a abrigar um convento
franciscano entre os anos de 1752 a 1783. Por volta de 1834 uma parte da igreja desmoronou e
em 1880 ela foi completamente reconstruída. Ao longo do século XX passou por mais restauros,
pelo ano de 1978 a igreja era assunto de jornais, “E a ordem voltará às suas características”. [1]
anunciava o jornal o Estado do Paraná no dia 06/10/1978, “Restaure-se a Ordem!” reivindicava o
Correio de Notícias, que trazia uma página inteira sobre a história da igreja e a necessidade de
melhorias neste que “é o prédio mais antigo da cidade”.[2]
O Largo Coronel Enéas ainda era chamado de “Pátio de Nossa Senhora do Terço”
quando construíram a casa que hoje é o último exemplar da arquitetura colonial portuguesa no centro da cidade. Conhecida como Casa Romário Martins, a casa mantém hoje uma sala de
exposição da Fundação Cultural de Curitiba, mas já foi utilizada como moradia pela família Sá
Ribas e como ponto comercial durante muito tempo. Abrigou o armazém Etzel, a Casa Paiva e o
Armazém Roque até 1970, quando então foi adquirida pela prefeitura e restaurada conforme
projeto do arquiteto Cyro Corrêa Lyra, sendo inaugurada em 1973. Tanto a casa como a igreja
presenciaram diversos momentos da história curitibana e encontram-se justamente no ponto
inicial da antiga Estrada do Assungui.
A história da estrada funde-se com a da cidade. No Largo Coronel Enéas, em meados do
século XVIII foi erguida a fonte de água, onde tropeiros e fazendeiros da região levavam seus
cavalos para matar a sede, já aconteciam trocas comercias. O bebedouro era então cercado pela
modesta vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais que, com poucos habitantes, dispunha de um
cotidiano pacato. Na Curitiba de antigamente a água era levada em baldes e bacias das fontes
espalhadas pela cidade para as casas, formando, no entorno das fontes, centros de intensas trocas
culturais, comerciais e de aglomeração de pessoas.
Descem uma a rua Claudino dos Santos. Sobem outras a São Francisco. Vêm algumas
pela Conselheiro Carrão. Surgem muitas pela Praça Tiradentes (...) Caminham estas [
carroças ] a trote, guizos chocalhando à cadência andadeira dos rocins, gordos e
educados. Seguem essas a passos, cincerros badalando à marcha das alimañas. Vê-las-ás
acantonadas no Largo da Ordem e na rua José Bonifácio, aglomeradas acolá ou
encordoadas aqui junto das guias. [3]
Os imigrantes poloneses, em especial suas mulheres, lotavam suas carroças, em modelos
russo e polaco, para vender manteiga, leite, ovos, requeijão, lenha, frutas, verduras e diversos
produtos hortifrutigranjeiros. Muitos desses imigrantes vinham pela Rua do Assungui para
vender seus produtos no Largo da Ordem, e ao trilhar do caminho passavam por uma clientela já
conquistada no entorno da rua. O trânsito de carroças na Rua Assungui foi muito intenso na
primeira metade do século XX.
Cavalos se refrescando no bebedouro do Largo da Ordem, em 1920.
Fotografia: João Baptista Groff / Acervo: Casa da Memória – FCC.
As tais carroças foram muito difundidas em Curitiba e seus arredores, eram utilizadas
para diversos fins, como nos contam Valêncio Xavier e Poty Lazzaroto em “Curitiba, de Nós”:
Também quase desaparecidas as carrocinhas de polaca que durante muitos anos foram a
marca registrada de Curitiba. Trazidas pelos imigrantes alemães do Volga (os chamados
russos-alemães), aqui viraram "polacos". A moda logo pegou entre os outros colonos.
Com suas equívocas rodinhas menores na frente, serviam para tudo: transportar
mercadorias das colônias para Curitiba: enfeitadas, conduziam os noivos e convidados
para as festas: trajadas de preto, levavam os defuntos desta para a melhor. O ponto de
reunião das polacas de carrocinhas era na rua José Bonifácio, aos sábados pela manhã.
O ponto ideal, pois ficava perto do bebedouro de cavalos, em frente à igreja da Ordem,
um dos dois únicos existentes na cidade — o outro fica na praça da Estação.[4]
Muitos anos depois, o bebedouro do Largo Coronel Enéas serve como cenário [5] da Feirinha do Largo da Ordem aos domingos, do Garibaldis e Sacis [6] no carnaval fora de época, da
boemia curitibana e às pombas e aos cachorros que habitam as redondezas.
A partir de 1971 o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC)
propõe uma série de medidas de restauração e preservação do patrimônio histórico curitibano, a
fim de revitalizar a área, transformando-a em um centro cultural e turístico e de retomar a
característica do espaço público. Para tanto, o arquiteto Cyro Correa Lyra desenvolveu um
levantamento sobre este lugar. Segundo ele, o Largo havia se transformado em um ambiente
degradante:
(...)
um trecho em decadência, era um trecho desvalorizado, um trecho com um uso, era
um comércio decadente; moradias, algumas moradias residenciais, mas a maior parte,
casas transformadas em cortiços com muitas famílias. Era tipicamente uma área em
degradação de uso. [7]
Com as intervenções do IPPUC na década de 1970, o Largo recebeu a forma que
conserva até hoje, de centro histórico, cultural, artístico e turístico de Curitiba. Hospedando
instituições como a Casa Romário Martins, o Museu de Arte Sacra, a Casa da Memória, a
Fundação Cultural de Curitiba e espaços como: Galeria Júlio Moreira e TUC (Teatro
Universitário de Curitiba), Universidade Braz Cubas, Colégio Dinâmico, Casa Vermelha e a
Casa Hoffmann.
A vocação turística é evidenciada na Feirinha do Largo, realizada todos os domingos das
9h às 14h, é uma feira de artesanato, antiguidades, usados, arte, roupa e gastronomia. Junto à
Feira de Artesanato do Largo da Ordem, muitas manifestações culturais acontecem
concomitantemente, o chorinho que há muitos anos é tocado em praça pública e nos bares ao
redor, além dos artistas de rua que se apresentam no desenrolar da feirinha.
No fim dos anos 90, surge em Curitiba uma manifestação cultural que no inicio do século
XXI adquire dimensão de grande festa popular: o “Garibaldis e Sacis”. Este é um bloco de rua
pré-carnavalesco organizado pela Associação Recreativa Cultural Amigos do Garibaldis e Sacis,
presidido pelo artista Itaercio Rocha, um de seus fundadores.
Os encontros iniciais para formação do Bloco Garibaldis e Sacis aconteceram no bar do
Saccy, esquina com a Igreja da Ordem. Não foi ao acaso que seus integrantes escolheram o
Largo da Ordem para brincar o carnaval:
Tanto que agora nesse último ano que a Polícia Militar propôs que a gente brincasse
noutro lugar, a Fundação Cultural de Curitiba propôs que a gente brincasse noutro lugar,
a gente ficou, a gente ainda tá relutando. Porque acreditamos que aqueles
paralelepípedos contam história, guardam história, guardam energias, e eu acho que
essa energia é exatamente do nascedouro da cidade, o nascedouro dessa festas todas.
Existem inclusive fotos, que eu já vi ali na Romário Martins, uma exposição de fotos
de carnaval que era ali, por onde desfilavam os corsos, os carros, enfeitados e tudo mais,
as sociedades carnavalescas passavam exatamente por ali, as batalhas de confetes e
serpentina, eu acho que ali guarda toda essa energia toda essa coisa da folia (...). [8]
No bar hoje chamado Brasileirinho, antes conhecido como Cícero, nome do respectivo
dono, os Garibaldis e Sacis realizam ainda diversas festas populares, como O Arraial da Anita
(festa junina fora de época, que acontece entre os meses de julho e agosto) e o Sarau do Saci
(festa pra saudar a primavera, a infância, realizada no mês de setembro ou outubro). O bar
Brasileirinho está na Rua Mateus Leme em frente ao conservatório de MPB.
O Largo da Ordem incita muitas imagens na memória das pessoas. Desde as mais
subjetivas histórias, vivências pessoais que aconteceram ali, até as mais longínquas paisagens
históricas que marcaram, e de alguma forma ainda marcam, aquele chão.
Hoje o Largo da Ordem é uma região muito freqüentada por turistas e curitibanos
atraídos pelo lazer, pela gastronomia, pelos bares e, também, pelos espaços culturais que se
encontram na região, como teatros, auditórios, galerias, museus, ateliês e sebos.
Notas:
[1] Estado do Paraná, Curitiba, 06 de outubro de 1978.
Vista atual da rua Mateus Leme olhando para o Largo da Ordem, com a Igreja da Ordem à direita, o
Restaurante Saccy à esquerda e à frente a Casa Romário Martins.
Notas:
[2] Correio de Notícias, Curitiba, 04 de agosto de 1978.
[3]GOMES, Raul. Os sábados na Rua José Bonifácio. Ilustração Paranaense, ano II, nº. 6, junho de 1928.
[4]LAZZAROTTO, Poty; XAVIER. Valêncio. Curitiba, de Nós. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1975.
[5] Segundo Magnani o cenário “(...) é entendido como produto de práticas sociais anteriores e em constante diálogo com as atuais – favorecendo-as, dificultando-as e sendo continuamente transformado por elas. Delimitar o cenário significa identificar marcos, reconhecer divisas, anotar pontos de intersecção – a partir não apenas da presença ou ausência de equipamentos e estruturas físicas, mas desses elementos em relação com a prática cotidiana daqueles que de uma forma ou de outra usam o espaço: os atores.” MAGNANI, J. G. C.; TORRES, L. L. (Orgs). Na Metrópole: Textos de Antropologia Urbana. São Paulo: EDUSP, 2000, p. 37. In: DRIESSEN, Julia Basso. Garibaldis e Sacis: uma Iniciação à Alegria. Trabalho de Graduação (Bacharelado em Ciências Sociais) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010.
[6] Bloco pré-carnavalesco que atua em Curitiba desde 1999.
[7] LYRA, Cyro Illídio Correa de Oliveira. Entrevista concedida a Jane Mara Renaut. Curitiba, 18 maio 1990. Secretaria de Cultura do Paraná.
[8] ROCHA, Itaercio. Entrevista concedida à pesquisa Caminhos históricos de Curitiba: A Estrada do Assungui. Curitiba: 28 de fevereiro de 2012.
Fotos: Gabriel Gallarza / Acervo: Casa da Memória - FCC
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