Entrevista com Itaercio Rocha, presidente da Associação Recreativa Cultural Amigos do Garibaldis e Sacis.
O Bloco Pré-Carnavalesco Garibaldis e Sacis foi fundado em 1999 a partir de encontros que aconteciam na Rua Mateus Leme, em espaços do Saccy Bar e do Conservatório de MPB.
Com doze anos de atividades, o bloco reuniu no ultimo carnaval, em 2012, um público de aproximadamente 20 mil pessoas por apresentação. Tornando-se uma relevante manifestação cultural da rua Mateus Leme e do Largo da Ordem.
TRANSCRIÇÃO
Com doze anos de atividades, o bloco reuniu no ultimo carnaval, em 2012, um público de aproximadamente 20 mil pessoas por apresentação. Tornando-se uma relevante manifestação cultural da rua Mateus Leme e do Largo da Ordem.
TRANSCRIÇÃO
Entrevista
concedida por Itaercio Rocha à equipe da Pesquisa Caminhos Históricos de Curitiba: A Estrada do Assungui,
na sede do Espaço Cultural Mundaréu em Curitiba, no dia 28 de fevereiro de 2012.
LEGENDA: PE – Pesquisadores
IR – Itaercio Rocha
IR – Meu nome é
Itaércio Rocha, sou nascido no Maranhão e estou aqui no Paraná desde 1984, que
eu tenho uma relação com o Paraná. Trabalho em Curitiba com música, com teatro
de bonecos, com dança, com cultura popular, com carnaval, com arte e educação. Sou
formado pela FAP, Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas, tenho
pós-graduação em estudos contemporâneos de dança pela UFBA e faculdade Angel
Vianna. Atualmente tenho um trabalho de coordenação e direção dos trabalho do
Mundaréu e também sou presidente da Associação Recreativa e Cultural Amigos do
Garibaldis e Sacis. Bom, pra falar da relação do Mundaréu e Garibaldis e Sacis
com a Mateus Leme é um prato cheio. Porque a gente teve durante muito tempo, a
primeira sede do Mundéreo foi ali na Maracangalha, esquina da Mateus Leme com a
Treze de Maio, exatamente dentro do Conservatório de MPB. A gente foi chamado
lá ainda pelo pelo Beto Gnatalli para fazer uma representação da questão das
músicas populares folclóricas dentro do Conservatório. A gente ocupava aquela
sala e, por ocupar aquela sala, a gente prestava algumas oficinas de música
folclórica dentro do Conservatório. E aquela sala acabou sendo um centro de
aglutinação mesmo, de juntar outros artistas. Fora que antes de criar o
Mundaréu, do nascimento do Mundaréu, a gente já vinha conversando sobre a criação
dos Garibaldis e Sacis. Eu já tinha feito uma reunião ali na região da Mateus
Leme, ali pra cima depois do São Lourenço onde eu morei, a gente fazia ali na rua
Reinaldo Hecke um encontro pra discutir sobre a preparação do carnaval
curitibano. Preparação no sentido de aquece mesmo, de botar o povo na rua, de
ter coragem de ir pra rua e brincar. Quando a gente foi fazer a primeira
reunião dos Garibaldis e Sacis mesmo, fora da minha casa, foi exatamente na
Mateus Leme. (...) O Garibaldis e Sacis surge no final da década de noventa, em
uma reunião na minha casa, ali perto do São Lourenço, nas esquinas da Mateus
Leme com a Reinaldo Hecke. Já em 1999, a gente faz um encontro no Largo da
Ordem, exatamente na Mateus Leme, no Bar do Saccy pra gente juntar as pessoas.
A gente estava querendo que juntasse pra fazer um bloco pré-carnavalesco. A
ideia era exatamente essa, fazer um bloco pré-carnavalesco. E nesse
pré-carnavalesco, a gente montou um pessoal de teatro de boneco, com quem eu
trabalhava na época: a Olga, o Odílio e já o pessoal do Mundaréu também, com
quem a gente já estava trabalhando no espetáculo Guarnicê que depois veio a ser
o nosso primeiro CD. E outros interessados, o pessoal inclusive que estava lá
pelas mesas do Bar do Saccy. Interessante que não era naquela porta principal
do Bar do Saccy, a gente ficou dentro de uma sala do espaço que não era bar,
que o dono na época cedia pra gente. Abria lá uma porta do lado, exatamente
entrada pela Mateus Leme. E a gente começou a se reunir ali. A princípio, a
gente começava a brincar ali na porta mesmo, sem sair. Inclusive era essa coisa
de ensaiar sem sair, de ficar ali em uma mesa tomando cerveja, tomando cachaça,
batucando um pouco, lembrando marchinhas antigas e compondo algumas coisas.
Depois, com o barulho que a gente fazia do lado da igreja de São Francisco, a
coisa ficou complicada e a gente se recolheu pra esquina da Treze de Maio com a
Mateus Leme, em uma sala chamada Maracangalha, onde tinha uma lojinha pra
vender CDs, que fazia parte do Conservatório de MPB, onde o Roberto Gnatalli
chamou o grupo Mundaréu pra ocupar aquele espaço, e em troca a gente dava aulas
para o Conservatório. Comecei tomando conta de um currículo de cultura popular,
de música folclórica. Então o Garibaldis e Sacis se fortalece por esse espaço,
porque primeiro, ele é um espaço mais aberto, sem nenhum vínculo com um bar,
restaurante ou alguma coisa assim, onde todos os artistas iam chegando pra se
acomodar, pra brincar, pra se maquiar, pra se preparar. Então tinha uma
liberdade maior pra gente utilizar o espaço e ficou mais fácil de aglomerar
gente. Até porque um pouco mais longe da igreja, a nossa batucada ficava mais a
vontade, ficava mais livre. Aos poucos a agente foi se aproximando também, usando
espaço entre a sala Maracangalha e a porta principal do Conservatório, na
frente de onde hoje é o bar Brasileirinho que era só Cícero, e ainda continua
sendo do Cícero. E o Cícero foi franqueando esse espaço pra gente. Ali a agente
fez o primeiro Sarau do Saci, ali a gente fez o primeiro Arraial da Anita,
exatamente ocupando aquele trecho da Mateus Leme. O Arraial da Anita é uma
festa junina fora de época, que acontece às vezes em julho, às vezes em agosto,
e o Sarau do Saci, que a gente inventou logo depois, já fazem uns sete anos,
que é uma festa mais bucólica, para saudar a primavera, a infância, Nossa
Senhora Aparecida, Cosme e Damião. Fica exatamente naquele trecho entre setembro
e outubro. Fim de setembro e começo de outubro, que é a chegada da primavera. O
Sarau do Saci e o Arraial da Anita, começam ali na Mateus Leme. E o Garibaldis
e Sacis também. São todas elas festas de rua, oferecidas a céu aberto pra quem
chegar cantar, dançar, tocar, beber, comer. Com o tempo a gente teve que se
descolar dali, porque depois não dava mais pra passar. Antes a batucada era
pequenininha, a gente chegava até a igreja e parava a batucada. Aí ía
caminhando em silêncio, morrendo de rir. Teve inclusive um ano que quando foi
chegando na Rua Mateus Leme, já perto do bebedouro, eu falei pro pessoal:
“gente, abaixa, abaixa o som, abaixa o som, a gente tem que passar pela
igreja”. E nesse gesto, como a gente não tinha microfone, eu falando “abaixa,
abaixa o som”, e o pessoal se agachou e a gente passou pela igreja morrendo de
rir sem entender porque eu estava fazendo aquele comando, mas todo mundo
obedeceu. E a gente passou rastejando, foi muito engraçado. E aquilo passou a
ser uma marca, todas as vezes que a gente passava por ali, a agente passava se
rastejando, era uma brincadeira, virou uma piada. Mas com o tempo não deu mais
pra ficar ali. Mas acho que os Garibaldis e Sacis se fortalecem exatamente,
porque aquela quadra da Mateus Leme, é uma quadra que já é calçada, que já é
sem acesso à carro em determinado momento do dia, e também porque ficava ali o
Conservatório de MPB, que dava um calço pra gente. Tinha a sede do Mundaréu,
que era onde a gente deixava as fantasias, os instrumentos, e onde o pessoal se
preparava, se maquiava, se vestia. E também porque aquele espaço era um espaço
muito acolhedor. Muito acolhedor porque acredito que ali tem uma energia de
começo. Parece que Curitiba nasce ali. Então acho que ali, todo aquele
comecinho da Mateus Leme, o bebedouro, tem essa coisa do nascedouro. Tanto que,
agora nesse último ano, a Polícia Militar propôs que a gente brincasse em outro
lugar, a Fundação Cultural propôs que a gente brincasse em outro lugar. A gente
ficou relutante, porque acreditamos que aqueles paralelepípedos contam
história, guardam histórias, guardam energias, exatamente essa energia do
nascedouro da cidade, o nascedouro dessas festas todas. Existem inclusive
fotos, que eu vi em uma exposição na Romário Martins, de fotos de carnaval que
eram ali. Então desfilavam os corsos, os carros enfeitados e tudo o mais. As
Sociedades carnavalescas passavam exatamente por ali, as batalhas de confetes e
serpentina. Acho que ali guarda toda essa energia, toda essa coisa da folia.
Mas eu particularmente tenho um carinho muito grande pela Mateus Leme, por
aquele trecho especificamente. Além do trecho que vai até o Abranches, eu já
andei muito ali a pé. No tempo que eu morava na Reinaldo Recke, eu descia a pé
praticamente umas três vezes por semana. Se eu não vinha a pé, eu voltava a pé,
sempre muito ligado naquela rua, que eu acho muito bonita.
PE – Nessas suas
andanças pela Rua Mateus Leme, tinha alguma passagem especial, que te chamava a
atenção?
IR – Eu acho que
a passagem perto do Bosque do Papa é uma. Depois do Bosque do Papa, ali onde
tinha a Bavarium, aquela curva é super legal. Aquele paralelismo com a Cecília
Meireles, forma um conjunto bem legal. E a passagem pelo São Lourenço, que era
onde eu mais frequentei da Mateus Leme. Mas tem a Casa Velha, que eu acho um
luxo. Eu sempre falo para o pessoal de Curitiba: “curitibano que não conhece a
Casa Velha, ali no Abranches, nunca sacou Curitiba de fato”. Comer na Casa
Velha, beber na Casa Velha, ficar ali naquele reduto, meio macho. Jogadores de
futebol de final de semana, perto ali daquele clube. A Casa Velha em si, pra
mim é bastante significativa. Eu gosto muito daquela curva. Não só por conta da
Casa velha, mas é uma coisa assim: há a Casa Velha, há o Clube Abranches e o
cemitério. E aquela estrada que vai não sei pra onde. É uma encruzilhada de Exu
muito legal. Aliás, a Mateus Leme inteira é cheia dessas encruzilhadas de Exu.
É bastante interessante porque o Largo da Ordem é uma encruzilhada de Exu das
boas. O bebedouro, a São Francisco, aquelas ruas todas, é um quatro cantos
nosso. Que, aliás, dá uns seis ou sete cantos aquilo ali. Mas a Mateus Leme
inteira é recheada disso. Tem que recuperar um pouco. Acho que ela merecia uma
quadra a mais de paralelepípedo. Acho que ela merecia. Na verdade, todo aquela
região ali, fechar até a Paula Gomes pelo menos. Ali seria bem legal.
PE – E o nome
Garibaldis e Sacis, como surgiu?
IR – Na época, a
gente fez uma enxurrada de propostas de nome. Esse nome foi proposto pela Olga
Romero e ganhou exatamente porque a gente se reunia no Bar do Saccy e a nossa
ideia era chegar com o nosso desfile até a Sociedade Garibaldi. Quando surgiu,
na verdade, a gente ficava ali na Mateus Leme brincando naquela quadra do
ladinho da igreja, e depois a gente foi aos poucos se aproximando do bebedouro.
Eu me lembro que no dia que a gente chegou no bebedouro foi uma vitória.
Primeiro porque a gente não tinha gás nem pra chegar, gás que falo é de energia
mesmo, de coragem de se aventurar e andar com o bloco. Depois a gente foi
subindo, foi subindo, foi subindo e o sonho da gente era que a gente chegasse
até a Sociedade Garibaldi. É claro que hoje a gente já faz eventos atrás das
Ruínas, a gente já ultrapassou o limite da Sociedade Garibaldi. Uma das defesas
era essa, mas a defesa mais interessante, na verdade, é que isso dava ao bloco
exatamente essa ideia de miscigenação, de mestiçagem e juntar esse elemento bem
brasileiro que é o Saci, o personagem folclórico Saci, o mito, e o Garibaldis
que é essa junção com a revolução, com esses revolucionários italianos.
Exatamente a junção desses mundos, de mundos diferentes, do daqui, do de fora,
do branco com o preto, do claro com o escuro. Acho que tem esse significado,
que é bem mais interessante. E foi na verdade o argumento que fez com que o
nome vencesse na disputa daquele dia. Exatamente por causa desse argumento.
Porque a gente ficou pensando “o bar do Saccy pode fechar, a Garibaldi também, a
gente nem precisa chegar lá, vai que a gente não consegue chegar lá?”. Então
esse argumento foi o argumento mais forte, o argumento que fez com que esse
nome vencesse a disputa.
PE – E hoje o
bloco se tornou um sucesso. Você tem uma estimativa do público que participa do
pré-carnaval Garibaldis e Sacis?
IR – Olha a
gente teve um dia no ano passado, que a gente brincou ali pra mais de vinte mil
pessoas. E eu me lembro que quando a gente virou pra cinco mil a gente se
assustou muito. Foi quando a gente botou o som no carro. Depois virou pra dez. Ano
passado, em 2011, a
gente brincou pra mais de vinte mil pessoas. A gente ficou com um cagaço enorme,
falamos “a gente vai ter que profissionalizar ou a gente arreda disso”. Aí a
gente foi atrás de um som mais potente e tudo o mais, já para o final do ano
passado. No final do ano passado, nas duas últimas brincadas, a gente já fez
com caminhão de som, um pouco mais potente, e com uma plataforma mais alta, pra
gente ir lá em cima. E
esse ano acredito que a gente brincou ali pra uma média de vinte mil
pessoas/dia. Teve dia de vinte e cinco ou mais. Mais de vinte e cinco mil
pessoas. No último dia, se for contar tudo o que aconteceu nas adjacências,
muito mais de vinte e cinco mil pessoas. Que pra Curitiba eu acho um estrondo.
E pra toda essa discussão, quem brinca, por que brinca, como brinca, como
brincar, por que se encontrar, por que festejar, por que se preparar para o
carnaval, eu acho um sucesso. (...) Essa duração do Garibaldis, esse tempo,
tudo aquilo que permanece no espaço, no tempo, é aquilo que está vivo. Estar
vivo significa você conseguir estabelecer conexões, como agora. Então o
Garibaldis é exatamente essa célula viva, esse sistema vivo, que trabalha com ideias
de passado, carnaval, a marchinha antiga, com a marchinha nova, gerando
conexões com agora pra poder se manter no futuro. É o tempo inteiro isso. Então
acho que essa duração do Garibaldis vai enquanto o bloco, essas pessoas que
trabalham com o bloco, conseguirem estabelecer essas conexões com agora, com o
presente, pra poder criar sustentabilidade no futuro. Eu acho que isso é uma
coisa bem legal. Então a gente foi se transformando. “Ah, não pode ficar aqui porque
é do lado da igreja, vamos recuar”. Porque evolução não é você ir sempre pra
frente e pra cima. Evolução é você estar mantendo-se no tempo. E às vezes é
recuando. A gente recua, vai pra trás,
tem marchinha, cria marchinha, não cria marchinhas, cria temas novos, não cria temas
novos, às vezes a gente dá umas regredidas. Aí deslocamos pro meio da quadra, depois
para o começo da quadra, avançamos de novo e agora estamos nos encontrando
novamente lá no Cavalo Babão. Lá no relógio das flores. Aí a gente vem descendo
agora, vem descendo e acaba na Mateus Leme. Onde antes começava, agora termina,
fizemos uma inversão. E fomos criando essas conexões com outros artistas, fomos
criando possibilidade de usar microfone, de estar em cima de um palanque. Não
sei como vai ser no ano que vem, mas acho que a gente tem que pensar na sonorização
do espaço, não só no carro, mas sonorizar o espaço inteiro. Talvez não ficar parado
pra criar mais movimento e não aglomeração. Em vez de começar no Relógio das Flores,
talvez começar lá pra trás das ruínas, pra ir descendo mais ainda, ampliar mais
ainda o percurso. Ou talvez seja o caso de a gente descer até ali perto do
Mueller. Não sei, são elucubrações, pra gente ir pensando nessas novas conexões
e nesses novos formatos.
(FINAL)
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