Entrevista com Ernani Straube

Iniciando a série de entrevistas tivemos um encontro com Ernani Straube, atual Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.




Curitiba em 1855


Imagem da antiga Fundição Mueller




TRANSCRIÇÃO

Entrevista concedida por Ernani Straube à equipe da Pesquisa Caminhos Históricos de Curitiba: A Estrada do Assungui, na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGP) em Curitiba, no dia 03 de novembro de 2011.

LEGENDA:  PE – Pesquisadores
                   ES – Ernani Straube

PE – Professor, gostaríamos que o senhor se apresentasse, dissesse seu nome e outras informações relevantes para o pessoal conhecer o senhor.
ES – Meu nome é Ernani Straube, sou natural de Curitiba, estou com 82 anos e sou muito entusiasmado com o que eu faço em termos de história. Fui secretário do Instituto Histórico, Vice-presidente diversas vezes, fui presidente de 1970 até 71 no IHGB, e naquela época o nome era Instituto Geográfico e Etnográfico Paranaense. Em 2009 eu era Vice-presidente, e como o Presidente não pode mais assumir, entrei como presidente e permaneço até 2013. Depois desse período, sou obrigado a me afastar, não posso mais assumir, sendo inclusive uma imposição minha no Instituto que a pessoa ficasse por no máximo 2 ou 4 anos. Poderei voltar em uma outra situação. Eu notei que os que ficaram muito tempo no Instituto, seguraram muito o desenvolvimento do Instituto. Então é preciso que sempre haja uma renovação, que permite a abertura do Instituto. Eu sou professor aposentado do Colégio Estadual do Paraná, na cadeira de ciências naturais. Vocês podem perguntar “o que tem a ver as ciências naturais com a história?”. Acontece que além desse cargo, eu também tinha outro cargo, que era na polícia científica, como perito criminal. Perito criminal é aquela pessoa que está sempre pesquisando, sempre preocupada com os vestígios e esse campo me deu a oportunidade de enveredar por um caminho menos tortuoso, que era a parte da história. Então passei a me dedicar a História há muito tempo, já estou com dez ou onze livros publicados, comecei o primeiro livro com o fundador do Colégio Estadual do Paraná. Eu não sei se vocês sabem que o Colégio Estadual foi fundado em 1846 quando o Paraná não existia. Há historiadores que chamavam de Liceu Paranaense. Não podia ser Paraná porque o Paraná não existia, chamava-se 5ª Comarca de São Paulo. Nós éramos a 5ª comarca de Curitiba da Província de São Paulo. Então o presidente de São Paulo, Manoel da Fonseca Lima e Silva, tio do Duque de Caxias, foi quem criou na 5ª Comarca na Vila, na cidade de Curitiba, criou o Liceu de Curitiba. Esse Liceu teve outros nomes, Instituto Paranaense, Ginásio Paranaense, Colégio Paranaense e atualmente Colégio Estadual do Paraná. Então são 160 anos de história. Quando você passa em frente, vê um prédio novo, cheio de janelas, imagina que deve ser um colégio moderno, novo. Não é. É a mais antiga repartição pública do Paraná. Não existe nenhuma repartição pública com atividade desde aquela época, que tenha permanecido até hoje. O governo do Estado começou quando o Zacarias de Goes trouxe duas pessoas: Ingaro Colin, que era o Secretário de Governo e o outro foi o chefe de polícia Antonio Manoel Fernandes Junior. Ali começou o Paraná: em 1853. O Colégio Estadual já tinha sete anos, já era um menino, um garoto. Também dirigi a Penitenciária de Piraquara e outras coisas.
PE – Agora podemos adentrar o assunto, sobre a estrada do Assungui, que chegava até a Colônia do Assungui, hoje município de Cerro Azul. Gostaríamos que o senhor contasse sua história de imigração.
ES – O meu bisavô veio para a Dona Francisca, hoje Joinville, em 1851, no segundo navio, o Gloriosa. Três meses de viagem tortuosa, difícil, onde a água fervia de tão mal estado que se encontrava na América. Depois desses três meses ele chegou com o filho e um grupo de imigrantes. Ele não foi imigrante porque ele era naturalista, e como naturalista ele veio fazer um levantamento de insetos nocivos à agricultura lá naquela região. Existem até dois insetos que tem o sobrenome Straube, dois gafanhotos que ele achou na Turquia. Então os dois tem o nome Straubei. Então ele veio em uma situação difícil, sem escala desde Hamburgo, e por isso teve um problema intestinal, morrendo dois anos depois, em 1853. Foi sepultado lá, mas quando a esposa dele, Ernestina Guilhermina veio no ano seguinte pra São Francisco, depois pra Joinville, com quatro filhos, dois deles ficaram em Joinville e ela casou-se depois de três anos, viúva, com Alfredo Ernesto com descentes em Cerro Azul. Ele era agrimensor, tinha conhecimento em agrimensura e foi contratado por Dom Pedro II para fazer o levantamento da Colônia Assungui. Então eles se transferiram de Joinville para Curitiba e de Curitiba eles foram até Cerro Azul, naquela época Colônia Assungui. E lá naturalmente ele deve ter participado porque a minha família, por parte dos meus tios-avós, todos ficaram lá. E inclusive a prefeitura era o hospital que ele doou, o terreno que ele doou ao Hospital Capitão Guilherme Straube. Parece que ainda tem uma placa lá. Hoje não sei se ainda é a prefeitura, faz tempo que não vou pra lá. A dificuldade pra chegar em Assungui era enorme. Era a cavalo, ou então com um tipo de carroça, um tipo de carruagem. Havia até épocas que uma diligência levava pessoas até Cerro Azul. Meu pai frequentava muito Cerro Azul por causa dos tios dele e todos os parentes que se achavam lá. Ele ia sempre à cavalo por essa estrada do Assungui, pegava a Mateus Leme, o final da Mateus Leme, esse trajeto tortuoso até chegar em Assungui.
PE – Com relação à estrada em si, professor, hoje Rua Mateus Leme, tem alguma lembrança, imagem que vem à sua cabeça quando pensa na Rua Mateus Leme?
ES – Bom, eu nasci na Rua Presidente Carlos Cavalcanti, que é uma rua que atravessa a Mateus Leme. Então eu brincava muito por ali. Para ter uma ideia, na Mateus Leme, eu andava com remo.  Remo era um brinquedo de quadro rodas, acionado por uma espécie de alavanca, que movimentava uma roda à dentada e essa roda dentada transmitia a força para as rodas traseiras. Então a gente brincava na Mateus Leme porque não passava automóvel. Quando passava automóvel, era motivo de parar e ficar olhando. O automóvel do Fontana era a placa número 1. O Fontana morava ali em frente do Colégio Estadual, então, a gente brincava ali a vontade, era uma rua tranquilíssima. A Praça 19 tem um desnível muito grande, ela era mais baixa em relação à rua. Então havia, entre a rua e praça, uma parte de ferro pra pessoa não cair. Era baixa, diferença de um metro e pouco, que depois foi aterrado pra fazerem a Praça Dezenove de Dezembro. Sobre a Mateus Leme, eu lembro que nós passávamos de carro entre duas casas, de tão estreita que era a rua. Depois abria novamente. Era uma rua empoeirada, dali pra frente era só poeira, barro, não tinha nada de especial até chegarmos no São Lourenço. Então o interessante são duas coisas que eu posso contar do São Lourenço. Primeiro, em maio de 1880 quando Dom Pedro veio inaugurar a Santa Casa de Misericórdia, visitou o Colégio Estadual, o Instituto Paranaense, ele foi inaugurar o que seria a primeira penitenciária do Estado. Nós tínhamos só a cadeia aqui na Praça Tiradentes, mas não tínhamos uma penitenciária, então ele soube que precisava de uma penitenciária. Era um projeto do engenheiro Monteiro Tourinho, tem muitos outros projetos dele. Era um projeto de uma estrela que seria construído lá. Então Dom Pedro foi, teve uma dificuldade imensa pra chegar lá, decerto foi de carruagem. Pra vocês terem uma ideia, quando ele inaugurou a Santa Casa, ele disse assim “Puxa, um prédio tão bonito, mas tão longe da cidade”. Hoje está aqui dentro da cidade. Mas Curitiba de 1880 era uma vilazinha modesta, simples, pacata, não tinha automóvel. Aí, ele na inauguração, o chefe de polícia estava lá também como outras autoridades, foram colocados na pedra fundamental alguns objetos como moedas da época, jornal do dia. Mas transcorrido um ano, eu tenho documentos do chefe de polícia contando que o cofre tinha sido arrombado, a ata tava jogada no chão e os objetos foram furtados. Provavelmente aquilo ali era a ermo, muito ermo, ali não tinha nada, ali era quase deserto, um lugar deserto. A segunda coisa que eu conto é que quando eu tinha mais ou menos 17, 18 anos, eu e mais dois amigos fizemos um barco de três metros e meio mais ou menos. Tínhamos um projeto, fizemos esse barco chamado Thor. Primeiro nós experimentamos se não vazava água nele no Passeio Público. Lá no Passeio Público deu tudo certo, daí levamos de carro para o São Lourenço. No sábado, domingo nós brincávamos, levamos amigos pra passear de barco a remo. E deixávamos o barco durante a semana, um pouco antes de onde está o Mercadorama. Ali havia uma empresa de adubos chamada Boutin, da família Boutin. E nós deixávamos lá porque um dos companheiros que me ajudou a fazer o barco era parente desses Boutin. Então permitiram que nós deixássemos lá. E num sábado nós tínhamos uma carroça, sem cavalo, naturalmente, a gente que puxava a carroça, colocamos o barco em cima e levamos o barco pra brincar lá no São Lourenço. O são Lourenço não tinha essa paisagem que tem hoje, uma paisagem mais elaborada, com grama e etc., era mais rústico, e tudo na década de 40, na verdade em 1947, 48, por aí. São duas coisas que me chamam atenção e me lembram da nossa Mateus Leme.
PE – O senhor tem mais alguma lembrança, se existia algum comércio, alguma outra casa nesse trecho que era mais estreito, alguma memória?
ES – Não lembro. A Rua Mateus Leme tinha a casa do Alfredo Andersen e eu fui inclusive aluno da escola de desenho e pintura Alfredo Andersen. Não era mais o Alfredo Andersen, era o filho dele, o Torsten Andersen. Eu fiz lá uns quatro, cinco anos de desenho. As casas ali eram quase todas no estilo alemão, com aqueles frontões tipo alemão, os alemães gostavam muito de frontões, algumas com lambrequim, eu até estou mandando fazer uma série de lambrequins pra colocarmos, enfeitarmos aqui; as pingadeiras que os estrangeiros europeus trouxeram pra cá, no sentido de que quando a neve derretesse, ela canalizasse pra pingar em determinado lugar. Não tinha nada de muito especial, a Mateus Leme não era uma rua de comércio, era uma rua de residências. Tinha a Casa do Piano, ainda existe essa Casa do Piano. Ela é curiosa. Quem vai para o São Lourenço, ela fica na terceira quadra à esquerda. É uma casa que tem uma sacada e tem umas colunas. Então dá a impressão de que é um piano, por isso chamava-se Casa do Piano. Não lembro de mais nada em especial na rua. Bom, tinha os Mueller Irmãos, que hoje é o Shopping Mueller. Ali era a fundição onde eles trabalhavam, o Mueller fazia a parte de fundição de metais de ferro, muitas chapas de ferro que tem aí pelas calçadas, era tudo feito na fundição do Mueller Irmãos. Do velho Mueller foi passando para as seguintes gerações. É isso que posso me lembrar dessa região, não era uma região comercial. Mesmo aqui no começo não tinha nada de muito especial que chamasse atenção. Atrás da Igreja da Ordem, onde ela começa, não tinha nada assim. No Largo da Ordem é aquela casa antiga, chamada Romário Martins e ao lado, onde foi englobada a Casa Romário Martins tinha um açougue, uma porta só com açougue. A Casa Hoffmann, que ainda existe. Nessa casa eles fabricavam tecidos, chitas, tecidos em geral. Então os italianos que vinham de Santa Felicidade, vinham vendendo verduras, traziam muita lenha para fogão, porque naquela época não havia gás engarrafado. Eles vinham pela rua sempre chamando atenção: “olha tal coisa, tomate, batata...”. Geralmente eram senhoras com saias largas, vinham até ali, ali tinha um bebedouro, que conta-se que quando foi inaugurado o governador que inaugurou bebeu um pouco da água e disse: “tá inaugurado esse bebedouro dos cavalos”. Não sei se isso é verdade, mas é o que consta. É de pedra, com uma estrutura metálica por dentro sempre com água, onde os cavalos vinham matar a sede. Os donos dos cavalos paravam ali e iam comprar as chitas na Casa Hoffmann. Mais pra cima não tinha mais nada, a Igreja da Ordem, que é uma igreja antiga, em mil setecentos e pouco tinha a Igreja do Rosário lá em cima. A igreja do Rosário era muito mais antiga que essa. Essa que existe hoje é de 1935, 36. Ela foi derrubada, era uma igreja de estilo português, e foi feito esse estilo meio espanhol. Mas, derrubaram uma igreja centenária.
PE – O Senhor lembra alguma coisa do Teatro Hauer?
ES – Sim. O Teatro Hauer foi um cinema, não sei se ainda existe. O Teatro Hauer com essa finalidade. Não sei se era o José Hauer, eu tenho a impressão que é do mesmo dono de onde hoje é a Frishmann, tinha ali uma casa Hauer, na Praça Tiradentes, não sei se era desses Hauer. Esses Hauer tem uma história curiosa, que é a vinda deles da Alemanha, eles não podiam trazer o marco, dinheiro que precisavam. Então eles tiveram uma forma de trazer esse dinheiro, os marcos alemães. É uma história que contam, não posso afirmar se é verdadeira, que os marcos vinham dentro de lápis, desses lápis de carpinteiro. Eles tiravam uma parte do grafite, lá enrolavam o dinheiro e deixavam outra vez o lápis. Com isso eles abriam os lápis e tiravam os marcos. Não sei até onde é verdade, mas é o que consta por aí.
PE – Professor, com relação ao São Lourenço, havia um curtume do Boutin. Você lembra desse conjunto ali, a própria Rua das Pedreiras? Ali era um entroncamento importante.
ES – É, ali havia não uma rua, havia um caminho, próximo do São Lourenço, à direita. Havia um caminho que saia aqui no alto Cabral, mais ou menos. Aquilo não era Rua, era um caminho simples. Aquela região toda era desabitada, era uma ou outra casa, ficava longe de Curitiba. O São Lourenço não é tão perto assim. Então naquela época, imagine, Curitiba estava muito centralizada aqui nessa região da Praça Tiradentes, até chegar perto do Colégio Estadual. Dali pra frente não tinha mais nada. Havia uma ou outra casa, havia muitas chácaras naquela região. O curtume era próximo ao Boutin. O Boutin tinha algo com material agrícola, não tinha propriamente um curtume.
PE – A respeito da história que o senhor contou no início, sobre o seu bisavô. Você lembra de alguma outra história que o seu pai contava, alguma particularidade?
ES – O meu pai quando faleceu, no sétimo dia eu fiz oito anos. O que uma criança pode lembrar? Sinto hoje profundamente, não só sobre esse aspecto, como outro. Ele participou do Contestado. Você sabe o que é o Contestado, aquela região contestada, que Santa Catarina obteve a partir de 1916, aquilo era nosso. O Paraná ia até o Rio Uruguai. E Santa Catarina ficou restrita à Serra do Mar e o Mar. Eles não subiram. E o curitibano desceu e foi embora pra Lages, até o Rio Grande do Sul. Vocês podem ver naquele mapa, naquela parte azul, aquilo é tudo Paraná. Então ele participou da Companhia Southern Brazilian Langen Company, em Três Barras. Ele trabalhava lá quando jovem, em 1912 porque conhecia inglês e a firma era americana. Então ele traduzia as cartas americanas pros brasileiros e vice-versa. Então ele trabalhou lá por dois anos, exatamente quando houve a invasão dos jagunços e sabe deus o que aconteceu. Ele deve ter comentado com minha mãe, mas quando morreu, eu tinha oito anos. Hoje me aborrece profundamente. Ano que vem é o centenário do contestado. Vamos ter várias reuniões sobre isso, e veja bem, o contestado foi no Paraná, e não em Santa Catarina. O Paraná perdeu território, e Santa Catarina, como foi vencedora, se vangloria do fatos.
PE – O Senhor disse foi visitar a sua família uma vez. O senhor lembra de ter passado pro propriedades particulares, sítios, o Senhor pode falar como era?
ES – Uma porção de chácaras, sítios, inclusive com plantação de laranjas. Eu não fui visitar minha família, não fui com esse objetivo. Acontece eu era Diretor da Secretaria da Educação e na ocasião veio um ofício a Inspetora da Cerro Azul comentando que um professor tinha se afastado do serviço por mais de trinta dias. E a lei diz que todo professor que se afastar por mais de trinta dias incorre em abandono de cargo. Então faz-se um processo e se exonera a pessoa. Como eu era do setor pessoal, soube por outros que o motivo do afastamento não era porque ele queria, mas porque estava doente. Então eu coloquei dois advogados no automóvel e fomos a Cerro Azul. Passamos por Pedras Pretas, hoje Tunas do Paraná e em seguida chegamos a Cerro Azul. E lá em Cerro Azul fui atravessar o Rio Ponta Grossa, porque ele morava num morro às margens do rio. E lá encontramos ele definhando, quase morrendo, vivendo às custas dos vizinhos que levavam comida pra ele. E chegando em Curitiba, não fiz um processo de exoneração, mas um processo de tratamento de saúde pra ele. Alguns meses depois ele veio a falecer. Mas essa era a razão porque eu estive lá. Mas haviam muitas chácaras lá, sem dúvida, principalmente com laranjais. Cerro Azul até hoje não é uma grande cidade, é uma cidade pequena, pacata, tranquila, e naquela época deveria ser mais tranquila do que hoje. O meu tio-avô, Guilherme Straube, doou para a prefeitura a área e lá eles construíram um Hospital chamado Hospital Capitão Guilherme Straube. Tenho até fotografia desse hospital. Depois fizeram outro hospital e lá passou a ser a prefeitura. Então teve essa modificação. Mas essa placa era pra ter existido lá ainda. Vocês estiveram lá uma vez? Viram essa placa?
PE – A placa não, professor, mas a Prefeitura existe ainda.
ES – Aquela casa antiga no alto, não tem uma placa?
PE – A gente não teve acesso...
ES – Não, por fora.
PE – A gente não chegou a verificar toda a área.
ES – O meu tio-avô, o Guilherme, tinha muita amizade com o meu pai, a tal ponto que eu dei o nome de Guilherme pro meu filho. E eu conto uma história interessante desse Capitão Guilherme Straube, que era capitão da Guarda Nacional. A Guarda Nacional era uma espécie de um exército em que as pessoas continuavam a exercer sua profissão particular, mas em um momento qualquer se fardavam e iam lutar na Guerra do Paraguai. O Guilherme era capitão. Não mais exercendo a profissão, mas continuava com a patente de capitão. Quando era chamado pra prestar depoimento no tribunal, o juiz chamava “Guilherme Straubel” e ele permanecia sentado. Ele estava lá, mas não se tomava conhecimento. Ai o escrivão tinha que falar pro juiz “chama ele de Capitão Guilherme Straubel”. Assim o juiz chamava e ele levantava imediatamente. Ele fazia questão do título de capitão. Lá em Cerro Azul, o meu bisavô tinha feito uns livros com um processo desconhecido de impressão de borboletas de papel. Mas da própria asa da borboleta. Se você passar o dedo, você tira o pó da asa da borboleta. Ele só pintava o corpo, porque sendo volumoso não podia ser comprimido. Esses álbuns têm 100, 150 anos, com nomes, porque ele era naturalista. Eu tinha um dos livros e quando fui um dia pra Cerro Azul, encontrei um parente que tinha a continuação deste. Hoje tenho os dois. Durante a Segunda Guerra Mundial, tudo o que era dos alemães foi enterrado numa pocilga pela família. Ficaram preocupados que pudesse acontecer alguma coisa e enterraram num buraco documentos, objetos. Isso aconteceu em Curitiba também, a destruição dos objetos. Ali na Sociedade Garibaldi funcionava a Casa Cívica Olavo Bilac. Nessa casa, as pessoas se reuniam durante a noite e faziam discursos contra os alemães e italianos e iam quebrar as casas dos alemães e italianos. Foi na Segunda Guerra Mundial, em 44, 45. E com esse medo todo, naturalmente eles tentaram se proteger jogando fora. Sabe deus o que não se perdeu. Eu estive a um ano atrás onde eles nasceram, em Dresden. É uma cidade cultural maravilhosa, mas em uma noite os americanos bombardearam Dresden e mataram 35 mil pessoas em uma noite. Em uma cidade cultural. Foi a forma que eles tinham de quebrar a coluna do alemão, como fizeram com os japoneses em Hiroshima e Nagasaki. Não foi na região de Rurh que fabricava toda a artilharia alemã que eles jogaram as bombas, foi naquela parte cultural pra quebrar a cultura. E conseguiram. É uma cidade maravilhosa.
PE – Esse livro das borboletas, o Senhor tem?
ES – Tenho. É muito bonito, porque ele é naturalista. Eu fico imaginando ele andando lá na Turquia, atravessar toda a Alemanha e descobrir dois gafanhotos que ninguém tinha descoberto ainda. E esse gafanhoto foi mandado por ele para a Universidade de Berlim. Eu fui lá e fotografei o exemplar, tenho uma fotografia com o nome dele, a letra dele. Foi em 1849 que ele descobriu isso. Eu não sei se vocês entenderam bem: o meu bisavô veio com o filho mais velho pra Dona Francisca. E a esposa veio quase um ano depois, a minha bisavó veio quase um ano depois com quatro filhos. Ele faleceu em Joinville. A esposa ficou lá com os filhos durante 3, 4 anos até que casou com Alfredo Ernesto Von Der Osten. Eles eram nobres. Todos os Von indicam nobreza. Eles eram barões na Alemanha, tanto que quando a minha prima, que é Von Der Osten esteve na Alemanha, foi visitar o castelo. Eu não sei porque ele veio. Ele e o irmão vieram pra cá. O irmão foi pra Guerra do Paraguai e morreu em Corrientes, na Argentina, na Guerra do Paraguai e ele ficou aqui como agrimensor. Não sei porque eles vieram pra cá. Havia muita conflagração na Alemanha nessa época de mil oitocentos e quarenta e oito, cinquenta, muita briga. Eles queriam acabar com a monarquia, aqueles movimentos todos antimonárquicos.
PE – Só para constar, eu consegui um mapa cartográfico da Colônia Assungui, e lá eu reparei nos lotes de propriedades esse nome, Von Der Osten, se não me engano, na margem esquerda do Rio Ponta Grossa.
ES – Quando eu estive lá, eu fui visitar o cemitério. E quando chego no cemitério, encontro arrombado o túmulo do meu tio-avô, fazia um tempo, inclusive com peças do caixão no chão. Eu recorri ao filho dele, Vendelin Von Der Osten, perguntei o que estava acontecendo e eles foram verificar. Um caminhoneiro arrebentou no dia anterior porque corria a notícia de que o Guilherme guardava o caixão embaixo da cama, porque lá não tinha marceneiro pra fazer um caixão. Então ele preocupado, mandou fazer um caixão em Curitiba e deixou embaixo, para a hora do enterro. Veja como era Cerro Azul. E correu na cidade que tinha um fundo falso cheio de dinheiro, cheio de libras. Por isso o cara arrebentou o caixão. Depois fui saber que o caixão que arrebentaram não era o dele, o dele estava embaixo. Era de uma pessoa que morreu depois, outro parente nosso que morreu e estava em cima. Mas eles eram muito ricos lá em Cerro Azul, tinham muitas propriedades e uma parte da família ainda continua lá. A família Von Der Osten e a família Straube se descaracterizaram por causa dos nomes femininos. Então lá se encontram uma porção de sobrenomes que você pensa que não é parente, mas são todos parentes. Por causa das mulheres que casam, perdiam sobrenomes, adotando o sobrenome do marido.
PE – Como a sua família veio para Curitiba?
ES – Vieram quatro filhos do meu bisavô da Alemanha. O quinto, que era o meu avô, nasceu em Joinville, nove dias antes de o pai morrer. Ele nasceu dia 9 de dezembro de 1853 e o pai morreu dia 18/19 de dezembro de 1853. E o meu avô ficou aqui, mas seus quatro irmãos e a mãe foram pra Cerro Azul. Ele ficou em Curitiba e deu origem à minha família, ao meu ramo. Então eu sou curitibano e ficamos todos em Curitiba, meu pai nasceu em Curitiba, em uma casa na Praça Garibaldi. Depois de 1880 eles construíram nossa casa na Carlos Cavalcanti. A casa está lá ainda, fica em frente ao Colégio Martinus, do lado da padaria América, aquela casa é nossa. Hoje nós alugamos o terreno para estacionamento da padaria América. Ernestina Guilhermina Von Der Osten é a mesma Ernestina Gulhermina Straube, do primeiro matrimônio. Eu tenho fotografia, pinturas dela. Uma vez eu tive um aluno, conversando que ele era também de Cerro Azul, e falando pra mim que tinham em casa um sinete de quebrar nozes no natal. O cabo é bom de quebrar nozes. Era Strobel, ele tinha a casa bem aqui na esquina da Rua Wesphalen com a Rua André de Barros, a Casa Strobel, uma casa de ferragens. Eu falei com o pai dele sobre isso, e ele disse que realmente faziam, e eu disse que tinha interesse. Mostrei pra eles a ligação nossa com a colônia e ele me deu. Está lá em casa, só que não tem mais o cabo e está amassado no lugar de quebrar nozes. Tem o brasão do império e em volta está escrito “Colônia do Assungui”.
PE – Professor, muito obrigado.
ES – De nada.
(FINAL)
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário