Curitiba em 1855
Imagem da antiga Fundição Mueller
TRANSCRIÇÃO
Entrevista
concedida por Ernani Straube à equipe da Pesquisa Caminhos Históricos de Curitiba: A Estrada do Assungui,
na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGP) em Curitiba, no
dia 03 de novembro de 2011.
LEGENDA: PE – Pesquisadores
ES – Ernani Straube
PE – Professor,
gostaríamos que o senhor se apresentasse, dissesse seu nome e outras
informações relevantes para o pessoal conhecer o senhor.
ES – Meu nome é
Ernani Straube, sou natural de Curitiba, estou com 82 anos e sou muito
entusiasmado com o que eu faço em termos de história. Fui secretário do
Instituto Histórico, Vice-presidente diversas vezes, fui presidente de 1970 até
71 no IHGB, e naquela época o nome era Instituto Geográfico e Etnográfico
Paranaense. Em 2009 eu era Vice-presidente, e como o Presidente não pode mais
assumir, entrei como presidente e permaneço até 2013. Depois desse período, sou
obrigado a me afastar, não posso mais assumir, sendo inclusive uma imposição
minha no Instituto que a pessoa ficasse por no máximo 2 ou 4 anos. Poderei
voltar em uma outra situação. Eu notei que os que ficaram muito tempo no
Instituto, seguraram muito o desenvolvimento do Instituto. Então é preciso que
sempre haja uma renovação, que permite a abertura do Instituto. Eu sou
professor aposentado do Colégio Estadual do Paraná, na cadeira de ciências
naturais. Vocês podem perguntar “o que tem a ver as ciências naturais com a
história?”. Acontece que além desse cargo, eu também tinha outro cargo, que era
na polícia científica, como perito criminal. Perito criminal é aquela pessoa
que está sempre pesquisando, sempre preocupada com os vestígios e esse campo me
deu a oportunidade de enveredar por um caminho menos tortuoso, que era a parte
da história. Então passei a me dedicar a História há muito tempo, já estou com
dez ou onze livros publicados, comecei o primeiro livro com o fundador do
Colégio Estadual do Paraná. Eu não sei se vocês sabem que o Colégio Estadual
foi fundado em 1846 quando o Paraná não existia. Há historiadores que chamavam
de Liceu Paranaense. Não podia ser Paraná porque o Paraná não existia,
chamava-se 5ª Comarca de São Paulo. Nós éramos a 5ª comarca de Curitiba da
Província de São Paulo. Então o presidente de São Paulo, Manoel da Fonseca Lima
e Silva, tio do Duque de Caxias, foi quem criou na 5ª Comarca na Vila, na
cidade de Curitiba, criou o Liceu de Curitiba. Esse Liceu teve outros nomes,
Instituto Paranaense, Ginásio Paranaense, Colégio Paranaense e atualmente
Colégio Estadual do Paraná. Então são 160 anos de história. Quando você passa
em frente, vê um prédio novo, cheio de janelas, imagina que deve ser um colégio
moderno, novo. Não é. É a mais antiga repartição pública do Paraná. Não existe
nenhuma repartição pública com atividade desde aquela época, que tenha
permanecido até hoje. O governo do Estado começou quando o Zacarias de Goes
trouxe duas pessoas: Ingaro Colin, que era o Secretário de Governo e o outro
foi o chefe de polícia Antonio Manoel Fernandes Junior. Ali começou o Paraná:
em 1853. O Colégio Estadual já tinha sete anos, já era um menino, um garoto.
Também dirigi a Penitenciária de Piraquara e outras coisas.
PE – Agora
podemos adentrar o assunto, sobre a estrada do Assungui, que chegava até a Colônia
do Assungui, hoje município de Cerro Azul. Gostaríamos que o senhor contasse
sua história de imigração.
ES – O meu
bisavô veio para a Dona Francisca, hoje Joinville, em 1851, no segundo navio, o
Gloriosa. Três meses de viagem tortuosa, difícil, onde a água fervia de tão mal
estado que se encontrava na América. Depois desses três meses ele chegou com o
filho e um grupo de imigrantes. Ele não foi imigrante porque ele era
naturalista, e como naturalista ele veio fazer um levantamento de insetos
nocivos à agricultura lá naquela região. Existem até dois insetos que tem o
sobrenome Straube, dois gafanhotos que ele achou na Turquia. Então os dois tem
o nome Straubei. Então ele veio em uma situação difícil, sem escala desde
Hamburgo, e por isso teve um problema intestinal, morrendo dois anos depois, em
1853. Foi sepultado lá, mas quando a esposa dele, Ernestina Guilhermina veio no
ano seguinte pra São Francisco, depois pra Joinville, com quatro filhos, dois
deles ficaram em Joinville e ela casou-se depois de três anos, viúva, com
Alfredo Ernesto com descentes em Cerro Azul. Ele era agrimensor, tinha
conhecimento em agrimensura e foi contratado por Dom Pedro II para fazer o
levantamento da Colônia Assungui. Então eles se transferiram de Joinville para
Curitiba e de Curitiba eles foram até Cerro Azul, naquela época Colônia
Assungui. E lá naturalmente ele deve ter participado porque a minha família,
por parte dos meus tios-avós, todos ficaram lá. E inclusive a prefeitura era o
hospital que ele doou, o terreno que ele doou ao Hospital Capitão Guilherme
Straube. Parece que ainda tem uma placa lá. Hoje não sei se ainda é a
prefeitura, faz tempo que não vou pra lá. A dificuldade pra chegar em Assungui
era enorme. Era a cavalo, ou então com um tipo de carroça, um tipo de
carruagem. Havia até épocas que uma diligência levava pessoas até Cerro Azul.
Meu pai frequentava muito Cerro Azul por causa dos tios dele e todos os
parentes que se achavam lá. Ele ia sempre à cavalo por essa estrada do
Assungui, pegava a Mateus Leme, o final da Mateus Leme, esse trajeto tortuoso
até chegar em Assungui.
PE – Com relação
à estrada em si, professor, hoje Rua Mateus Leme, tem alguma lembrança, imagem
que vem à sua cabeça quando pensa na Rua Mateus Leme?
ES – Bom, eu
nasci na Rua Presidente Carlos Cavalcanti, que é uma rua que atravessa a Mateus
Leme. Então eu brincava muito por ali. Para ter uma ideia, na Mateus Leme, eu
andava com remo. Remo era um brinquedo
de quadro rodas, acionado por uma espécie de alavanca, que movimentava uma roda
à dentada e essa roda dentada transmitia a força para as rodas traseiras. Então
a gente brincava na Mateus Leme porque não passava automóvel. Quando passava
automóvel, era motivo de parar e ficar olhando. O automóvel do Fontana era a
placa número 1. O Fontana morava ali em frente do Colégio Estadual, então, a
gente brincava ali a vontade, era uma rua tranquilíssima. A Praça 19 tem um
desnível muito grande, ela era mais baixa em relação à rua. Então havia, entre
a rua e praça, uma parte de ferro pra pessoa não cair. Era baixa, diferença de
um metro e pouco, que depois foi aterrado pra fazerem a Praça Dezenove de
Dezembro. Sobre a Mateus Leme, eu lembro que nós passávamos de carro entre duas
casas, de tão estreita que era a rua. Depois abria novamente. Era uma rua
empoeirada, dali pra frente era só poeira, barro, não tinha nada de especial
até chegarmos no São Lourenço. Então o interessante são duas coisas que eu
posso contar do São Lourenço. Primeiro, em maio de 1880 quando Dom Pedro veio
inaugurar a Santa Casa de Misericórdia, visitou o Colégio Estadual, o Instituto
Paranaense, ele foi inaugurar o que seria a primeira penitenciária do Estado.
Nós tínhamos só a cadeia aqui na Praça Tiradentes, mas não tínhamos uma
penitenciária, então ele soube que precisava de uma penitenciária. Era um
projeto do engenheiro Monteiro Tourinho, tem muitos outros projetos dele. Era
um projeto de uma estrela que seria construído lá. Então Dom Pedro foi, teve
uma dificuldade imensa pra chegar lá, decerto foi de carruagem. Pra vocês terem
uma ideia, quando ele inaugurou a Santa Casa, ele disse assim “Puxa, um prédio
tão bonito, mas tão longe da cidade”. Hoje está aqui dentro da cidade. Mas
Curitiba de 1880 era uma vilazinha modesta, simples, pacata, não tinha
automóvel. Aí, ele na inauguração, o chefe de polícia estava lá também como
outras autoridades, foram colocados na pedra fundamental alguns objetos como
moedas da época, jornal do dia. Mas transcorrido um ano, eu tenho documentos do
chefe de polícia contando que o cofre tinha sido arrombado, a ata tava jogada
no chão e os objetos foram furtados. Provavelmente aquilo ali era a ermo, muito
ermo, ali não tinha nada, ali era quase deserto, um lugar deserto. A segunda
coisa que eu conto é que quando eu tinha mais ou menos 17, 18 anos, eu e mais
dois amigos fizemos um barco de três metros e meio mais ou menos. Tínhamos um
projeto, fizemos esse barco chamado Thor. Primeiro nós experimentamos se não
vazava água nele no Passeio Público. Lá no Passeio Público deu tudo certo, daí
levamos de carro para o São Lourenço. No sábado, domingo nós brincávamos,
levamos amigos pra passear de barco a remo. E deixávamos o barco durante a
semana, um pouco antes de onde está o Mercadorama. Ali havia uma empresa de
adubos chamada Boutin, da família Boutin. E nós deixávamos lá porque um dos
companheiros que me ajudou a fazer o barco era parente desses Boutin. Então
permitiram que nós deixássemos lá. E num sábado nós tínhamos uma carroça, sem
cavalo, naturalmente, a gente que puxava a carroça, colocamos o barco em cima e
levamos o barco pra brincar lá no São Lourenço. O são Lourenço não tinha essa
paisagem que tem hoje, uma paisagem mais elaborada, com grama e etc., era mais
rústico, e tudo na década de 40, na verdade em 1947, 48, por aí. São duas
coisas que me chamam atenção e me lembram da nossa Mateus Leme.
PE – O senhor
tem mais alguma lembrança, se existia algum comércio, alguma outra casa nesse
trecho que era mais estreito, alguma memória?
ES – Não lembro.
A Rua Mateus Leme tinha a casa do Alfredo Andersen e eu fui inclusive aluno da
escola de desenho e pintura Alfredo Andersen. Não era mais o Alfredo Andersen,
era o filho dele, o Torsten Andersen. Eu fiz lá uns quatro, cinco anos de
desenho. As casas ali eram quase todas no estilo alemão, com aqueles frontões tipo
alemão, os alemães gostavam muito de frontões, algumas com lambrequim, eu até
estou mandando fazer uma série de lambrequins pra colocarmos, enfeitarmos aqui;
as pingadeiras que os estrangeiros europeus trouxeram pra cá, no sentido de que
quando a neve derretesse, ela canalizasse pra pingar em determinado lugar. Não
tinha nada de muito especial, a Mateus Leme não era uma rua de comércio, era
uma rua de residências. Tinha a Casa do Piano, ainda existe essa Casa do Piano.
Ela é curiosa. Quem vai para o São Lourenço, ela fica na terceira quadra à
esquerda. É uma casa que tem uma sacada e tem umas colunas. Então dá a
impressão de que é um piano, por isso chamava-se Casa do Piano. Não lembro de
mais nada em especial na rua. Bom, tinha os Mueller Irmãos, que hoje é o
Shopping Mueller. Ali era a fundição onde eles trabalhavam, o Mueller fazia a
parte de fundição de metais de ferro, muitas chapas de ferro que tem aí pelas
calçadas, era tudo feito na fundição do Mueller Irmãos. Do velho Mueller foi
passando para as seguintes gerações. É isso que posso me lembrar dessa região,
não era uma região comercial. Mesmo aqui no começo não tinha nada de muito
especial que chamasse atenção. Atrás da Igreja da Ordem, onde ela começa, não
tinha nada assim. No Largo da Ordem é aquela casa antiga, chamada Romário
Martins e ao lado, onde foi englobada a Casa Romário Martins tinha um açougue,
uma porta só com açougue. A Casa Hoffmann, que ainda existe. Nessa casa eles
fabricavam tecidos, chitas, tecidos em geral. Então os italianos que vinham de Santa
Felicidade, vinham vendendo verduras, traziam muita lenha para fogão, porque
naquela época não havia gás engarrafado. Eles vinham pela rua sempre chamando
atenção: “olha tal coisa, tomate, batata...”. Geralmente eram senhoras com saias
largas, vinham até ali, ali tinha um bebedouro, que conta-se que quando foi
inaugurado o governador que inaugurou bebeu um pouco da água e disse: “tá
inaugurado esse bebedouro dos cavalos”. Não sei se isso é verdade, mas é o que
consta. É de pedra, com uma estrutura metálica por dentro sempre com água, onde
os cavalos vinham matar a sede. Os donos dos cavalos paravam ali e iam comprar
as chitas na Casa Hoffmann. Mais pra cima não tinha mais nada, a Igreja da
Ordem, que é uma igreja antiga, em mil setecentos e pouco tinha a Igreja do
Rosário lá em cima. A
igreja do Rosário era muito mais antiga que essa. Essa que existe hoje é de
1935, 36. Ela foi derrubada, era uma igreja de estilo português, e foi feito
esse estilo meio espanhol. Mas, derrubaram uma igreja centenária.
PE – O Senhor
lembra alguma coisa do Teatro Hauer?
ES – Sim. O
Teatro Hauer foi um cinema, não sei se ainda existe. O Teatro Hauer com essa
finalidade. Não sei se era o José Hauer, eu tenho a impressão que é do mesmo
dono de onde hoje é a Frishmann, tinha ali uma casa Hauer, na Praça Tiradentes,
não sei se era desses Hauer. Esses Hauer tem uma história curiosa, que é a
vinda deles da Alemanha, eles não podiam trazer o marco, dinheiro que
precisavam. Então eles tiveram uma forma de trazer esse dinheiro, os marcos
alemães. É uma história que contam, não posso afirmar se é verdadeira, que os
marcos vinham dentro de lápis, desses lápis de carpinteiro. Eles tiravam uma
parte do grafite, lá enrolavam o dinheiro e deixavam outra vez o lápis. Com
isso eles abriam os lápis e tiravam os marcos. Não sei até onde é verdade, mas
é o que consta por aí.
PE – Professor,
com relação ao São Lourenço, havia um curtume do Boutin. Você lembra desse
conjunto ali, a própria Rua das Pedreiras? Ali era um entroncamento importante.
ES – É, ali
havia não uma rua, havia um caminho, próximo do São Lourenço, à direita. Havia
um caminho que saia aqui no alto Cabral, mais ou menos. Aquilo não era Rua, era
um caminho simples. Aquela região toda era desabitada, era uma ou outra casa,
ficava longe de Curitiba. O São Lourenço não é tão perto assim. Então naquela
época, imagine, Curitiba estava muito centralizada aqui nessa região da Praça
Tiradentes, até chegar perto do Colégio Estadual. Dali pra frente não tinha
mais nada. Havia uma ou outra casa, havia muitas chácaras naquela região. O
curtume era próximo ao Boutin. O Boutin tinha algo com material agrícola, não
tinha propriamente um curtume.
PE – A respeito
da história que o senhor contou no início, sobre o seu bisavô. Você lembra de
alguma outra história que o seu pai contava, alguma particularidade?
ES – O meu pai
quando faleceu, no sétimo dia eu fiz oito anos. O que uma criança pode lembrar?
Sinto hoje profundamente, não só sobre esse aspecto, como outro. Ele participou
do Contestado. Você sabe o que é o Contestado, aquela região contestada, que
Santa Catarina obteve a partir de 1916, aquilo era nosso. O Paraná ia até o Rio
Uruguai. E Santa Catarina ficou restrita à Serra do Mar e o Mar. Eles não
subiram. E o curitibano desceu e foi embora pra Lages, até o Rio Grande do Sul.
Vocês podem ver naquele mapa, naquela parte azul, aquilo é tudo Paraná. Então
ele participou da Companhia Southern Brazilian Langen Company, em Três Barras. Ele
trabalhava lá quando jovem, em 1912 porque conhecia inglês e a firma era
americana. Então ele traduzia as cartas americanas pros brasileiros e
vice-versa. Então ele trabalhou lá por dois anos, exatamente quando houve a
invasão dos jagunços e sabe deus o que aconteceu. Ele deve ter comentado com
minha mãe, mas quando morreu, eu tinha oito anos. Hoje me aborrece
profundamente. Ano que vem é o centenário do contestado. Vamos ter várias
reuniões sobre isso, e veja bem, o contestado foi no Paraná, e não em Santa Catarina. O
Paraná perdeu território, e Santa Catarina, como foi vencedora, se vangloria do
fatos.
PE – O Senhor
disse foi visitar a sua família uma vez. O senhor lembra de ter passado pro
propriedades particulares, sítios, o Senhor pode falar como era?
ES – Uma porção
de chácaras, sítios, inclusive com plantação de laranjas. Eu não fui visitar
minha família, não fui com esse objetivo. Acontece eu era Diretor da Secretaria
da Educação e na ocasião veio um ofício a Inspetora da Cerro Azul comentando
que um professor tinha se afastado do serviço por mais de trinta dias. E a lei
diz que todo professor que se afastar por mais de trinta dias incorre em
abandono de cargo. Então faz-se um processo e se exonera a pessoa. Como eu era
do setor pessoal, soube por outros que o motivo do afastamento não era porque ele
queria, mas porque estava doente. Então eu coloquei dois advogados no automóvel
e fomos a Cerro Azul. Passamos por Pedras Pretas, hoje Tunas do Paraná e em
seguida chegamos a Cerro Azul. E lá em Cerro Azul fui atravessar o Rio Ponta Grossa,
porque ele morava num morro às margens do rio. E lá encontramos ele definhando,
quase morrendo, vivendo às custas dos vizinhos que levavam comida pra ele. E
chegando em Curitiba, não fiz um processo de exoneração, mas um processo de
tratamento de saúde pra ele. Alguns meses depois ele veio a falecer. Mas essa
era a razão porque eu estive lá. Mas haviam muitas chácaras lá, sem dúvida,
principalmente com laranjais. Cerro Azul até hoje não é uma grande cidade, é
uma cidade pequena, pacata, tranquila, e naquela época deveria ser mais
tranquila do que hoje. O meu tio-avô, Guilherme Straube, doou para a prefeitura
a área e lá eles construíram um Hospital chamado Hospital Capitão Guilherme
Straube. Tenho até fotografia desse hospital. Depois fizeram outro hospital e
lá passou a ser a prefeitura. Então teve essa modificação. Mas essa placa era
pra ter existido lá ainda. Vocês estiveram lá uma vez? Viram essa placa?
PE – A placa
não, professor, mas a Prefeitura existe ainda.
ES – Aquela casa
antiga no alto, não tem uma placa?
PE – A gente não
teve acesso...
ES – Não, por
fora.
PE – A gente não
chegou a verificar toda a área.
ES – O meu
tio-avô, o Guilherme, tinha muita amizade com o meu pai, a tal ponto que eu dei
o nome de Guilherme pro meu filho. E eu conto uma história interessante desse
Capitão Guilherme Straube, que era capitão da Guarda Nacional. A Guarda
Nacional era uma espécie de um exército em que as pessoas continuavam a exercer
sua profissão particular, mas em um momento qualquer se fardavam e iam lutar na
Guerra do Paraguai. O Guilherme era capitão. Não mais exercendo a profissão,
mas continuava com a patente de capitão. Quando era chamado pra prestar
depoimento no tribunal, o juiz chamava “Guilherme Straubel” e ele permanecia
sentado. Ele estava lá, mas não se tomava conhecimento. Ai o escrivão tinha que
falar pro juiz “chama ele de Capitão Guilherme Straubel”. Assim o juiz chamava
e ele levantava imediatamente. Ele fazia questão do título de capitão. Lá em Cerro Azul, o meu
bisavô tinha feito uns livros com um processo desconhecido de impressão de
borboletas de papel. Mas da própria asa da borboleta. Se você passar o dedo,
você tira o pó da asa da borboleta. Ele só pintava o corpo, porque sendo
volumoso não podia ser comprimido. Esses álbuns têm 100, 150 anos, com nomes, porque
ele era naturalista. Eu tinha um dos livros e quando fui um dia pra Cerro Azul,
encontrei um parente que tinha a continuação deste. Hoje tenho os dois. Durante
a Segunda Guerra Mundial, tudo o que era dos alemães foi enterrado numa pocilga
pela família. Ficaram preocupados que pudesse acontecer alguma coisa e
enterraram num buraco documentos, objetos. Isso aconteceu em Curitiba também, a
destruição dos objetos. Ali na Sociedade Garibaldi funcionava a Casa Cívica
Olavo Bilac. Nessa casa, as pessoas se reuniam durante a noite e faziam
discursos contra os alemães e italianos e iam quebrar as casas dos alemães e
italianos. Foi na Segunda Guerra Mundial, em 44, 45. E com esse medo todo,
naturalmente eles tentaram se proteger jogando fora. Sabe deus o que não se
perdeu. Eu estive a um ano atrás onde eles nasceram, em Dresden. É uma cidade
cultural maravilhosa, mas em uma noite os americanos bombardearam Dresden e
mataram 35 mil pessoas em uma noite. Em uma cidade cultural. Foi a forma que
eles tinham de quebrar a coluna do alemão, como fizeram com os japoneses em
Hiroshima e Nagasaki. Não foi na região de Rurh que fabricava toda a artilharia
alemã que eles jogaram as bombas, foi naquela parte cultural pra quebrar a
cultura. E conseguiram. É uma cidade maravilhosa.
PE – Esse livro
das borboletas, o Senhor tem?
ES – Tenho. É
muito bonito, porque ele é naturalista. Eu fico imaginando ele andando lá na
Turquia, atravessar toda a Alemanha e descobrir dois gafanhotos que ninguém
tinha descoberto ainda. E esse gafanhoto foi mandado por ele para a
Universidade de Berlim. Eu fui lá e fotografei o exemplar, tenho uma fotografia
com o nome dele, a letra dele. Foi em 1849 que ele descobriu isso. Eu não sei
se vocês entenderam bem: o meu bisavô veio com o filho mais velho pra Dona
Francisca. E a esposa veio quase um ano depois, a minha bisavó veio quase um
ano depois com quatro filhos. Ele faleceu em Joinville. A esposa
ficou lá com os filhos durante 3, 4 anos até que casou com Alfredo Ernesto Von
Der Osten. Eles eram nobres. Todos os Von indicam nobreza. Eles eram barões na
Alemanha, tanto que quando a minha prima, que é Von Der Osten esteve na
Alemanha, foi visitar o castelo. Eu não sei porque ele veio. Ele e o irmão
vieram pra cá. O irmão foi pra Guerra do Paraguai e morreu em Corrientes, na
Argentina, na Guerra do Paraguai e ele ficou aqui como agrimensor. Não sei
porque eles vieram pra cá. Havia muita conflagração na Alemanha nessa época de
mil oitocentos e quarenta e oito, cinquenta, muita briga. Eles queriam acabar com
a monarquia, aqueles movimentos todos antimonárquicos.
PE – Só para
constar, eu consegui um mapa cartográfico da Colônia Assungui, e lá eu reparei
nos lotes de propriedades esse nome, Von Der Osten, se não me engano, na margem
esquerda do Rio Ponta Grossa.
ES – Quando eu
estive lá, eu fui visitar o cemitério. E quando chego no cemitério, encontro
arrombado o túmulo do meu tio-avô, fazia um tempo, inclusive com peças do
caixão no chão. Eu recorri ao filho dele, Vendelin Von Der Osten, perguntei o
que estava acontecendo e eles foram verificar. Um caminhoneiro arrebentou no
dia anterior porque corria a notícia de que o Guilherme guardava o caixão
embaixo da cama, porque lá não tinha marceneiro pra fazer um caixão. Então ele
preocupado, mandou fazer um caixão em Curitiba e deixou embaixo, para a hora do
enterro. Veja como era Cerro Azul. E correu na cidade que tinha um fundo falso
cheio de dinheiro, cheio de libras. Por isso o cara arrebentou o caixão. Depois
fui saber que o caixão que arrebentaram não era o dele, o dele estava embaixo.
Era de uma pessoa que morreu depois, outro parente nosso que morreu e estava em cima. Mas eles eram
muito ricos lá em Cerro
Azul, tinham muitas propriedades e uma parte da família ainda
continua lá. A família Von Der Osten e a família Straube se descaracterizaram
por causa dos nomes femininos. Então lá se encontram uma porção de sobrenomes
que você pensa que não é parente, mas são todos parentes. Por causa das
mulheres que casam, perdiam sobrenomes, adotando o sobrenome do marido.
PE – Como a sua
família veio para Curitiba?
ES – Vieram
quatro filhos do meu bisavô da Alemanha. O quinto, que era o meu avô, nasceu em
Joinville, nove dias antes de o pai morrer. Ele nasceu dia 9 de dezembro de
1853 e o pai morreu dia 18/19 de dezembro de 1853. E o meu avô ficou aqui, mas
seus quatro irmãos e a mãe foram pra Cerro Azul. Ele ficou em Curitiba e deu
origem à minha família, ao meu ramo. Então eu sou curitibano e ficamos todos em
Curitiba, meu pai nasceu em Curitiba, em uma casa na Praça Garibaldi. Depois de
1880 eles construíram nossa casa na Carlos Cavalcanti. A casa está lá ainda,
fica em frente ao Colégio Martinus, do lado da padaria América, aquela casa é
nossa. Hoje nós alugamos o terreno para estacionamento da padaria América.
Ernestina Guilhermina Von Der Osten é a mesma Ernestina Gulhermina Straube, do
primeiro matrimônio. Eu tenho fotografia, pinturas dela. Uma vez eu tive um aluno,
conversando que ele era também de Cerro Azul, e falando pra mim que tinham em
casa um sinete de quebrar nozes no natal. O cabo é bom de quebrar nozes. Era
Strobel, ele tinha a casa bem aqui na esquina da Rua Wesphalen com a Rua André
de Barros, a Casa Strobel, uma casa de ferragens. Eu falei com o pai dele sobre
isso, e ele disse que realmente faziam, e eu disse que tinha interesse. Mostrei
pra eles a ligação nossa com a colônia e ele me deu. Está lá em casa, só que
não tem mais o cabo e está amassado no lugar de quebrar nozes. Tem o brasão do
império e em volta está escrito “Colônia do Assungui”.
PE – Professor,
muito obrigado.
ES – De nada.
(FINAL)
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